
No Brasil, o único filme de Julio Medem lançado em DVD foi "Lucía y el Sexo", em 2000, seu quinto filme e, certamente, o seu melhor. Mas esse cineasta basco - hoje já renomado e amplamente reconhecido na Espanha e toda Europa - estreou em longas no ano de 1992, com o filme "Vacas", que concentraria todas (ou quase) marcas do que viria a caracterizar o cinema de Julio Medem. Desde o início mostrando-se como um cineasta-autor, com seu estilo específico, Medem chamou atenção tanto do público como da crítica com a história de uma família basca envolvida em rivalidades e paixões. O ambiente rural, os diálogos excêntricos, a montagem poética, o universo onírico e fantástico, tudo isso fez de "Vacas" uma das estréias mais empolgantes do cinema espanhol do início dos anos 90.
Com tanto sucesso, o ano seguinte acabou sendo fácil para Medem, que lançou seu segundo longa, "La Ardilla Roja" (O Esquilo Vermelho, lançado no Brasil em VHS), com praticamente os mesmos atores do filme anterior, em papéis, claro, bastante distintos, o que acabou se tornando outra marca do diretor. A história de um amor envolvido numa teia de mentiras dá forma a um filme bem mais maduro que "Vacas", com muitas técnicas narrativas aprimoradas e uma clara evolução nas suas principais marcas como diretor e também roteirista. Em "La Ardilla Roja" percebe-se mais claramente como Medem se mantem dentro de uma estrutura própria, como a forma como usa os diálogos e cenários, por exemplo. Seu segundo longa foi aclamadíssimo e, então, no ano de 1993, já ninguém tinha dúvida de que havia nascido na Espanha um cineasta no mínimo especial.
Esse universo onírico de Julio Medem, que muitas vezes foi comparado ao estilo de cinema de David Lynch, foi mais uma vez primorosamente apresentado no seguinte longa do diretor, "Tierra" (1995), que contava a alucinante história de Angel, um homem que vai a uma região rural de San Sebastián para acabar com a praga de um inseto nas vinhedas. Mas Angel acaba por abalar um pouco a aparente tranquilidade do povoado, principalmente por sua cabeça imaginativa e por crer que é metade anjo, metade homem. A partir desse argumento, Medem cria um universo especial em volta de Angel para discutir questões como a vida, a morte e a ilusão - temas que, de uma forma ou de outra, estão presentes em toda a obra do diretor.
Em 1998, Julio Medem lançaria aquela que seria considerada em muitos países a sua obra-prima, "Los Amantes del Círculo Polar" (Os Amantes do Círculo Polar, lançado no Brasil em VHS). Sem dúvida esse filme foi uma quebra na carreira de Medem. Suas temáticas continuavam essencialmente as mesmas, mas talvez pela primeira vez Medem resolveu sair dos limites físicos do seu querido País Basco e contar uma história "universal" até mesmo em seus detalhes de cena. É uma história de amor e de coincidências, onde o limite está no céu da Finlândia e na linha do Círculo Polar Ártico. Totalmente envolvido de poesia e metáforas muito fortes, Medem conquistou o mundo inteiro com essa triste história de amor, tragédias e casualidades.

E foi ainda tomado pela emoção da sua personagem em "Los Amantes..." que Julio Medem, dois anos depois, lançou "Lucía y el Sexo" (Lúcia e o Sexo, 2000), o filme que, segundo o próprio, viria a libertar do seu sofrimento o personagem do seu filme anterior. Foi com esse filme que Julio Medem ficou conhecido aqui no Brasil, ainda que alguns atentos já tinham se dado conta da sua existência com alguns dos filmes anteriores. "Lucía y el Sexo" foi exibido em muitas salas de cinema do Brasil e pelo mundo ganhou uma quantidade enorme de prêmios. Para os já fãs do trabalho do diretor, a história dessa mulher que, após pensar que o namorado está morto, foge para uma ilha em busca de tranquilidade, é somente a consagração de um cineasta autor, original, inspirado e com uma linguagem própria bastante peculiar.
Então, Julio Medem já era uma estrela. E usando da sua influência resolveu, em 2003, gravar um documentário sobre o polêmico conflito basco, que muito lhe é caro. "La Pelota Basca - La Piel Contra la Piedra" mexeu com um tema bastante complicado dentro do contexto espanhol e Julio Medem esteve, por alguns anos, no centro de uma batalha na qual a quantidade de aliados era a mesma de inimigos. Por falar abertamente da situação atual do País Basco, do ETA, do euskera (lingua do país) e outros temas pertinentes, o diretor foi alvo de muitas críticas e boicotes, mas também de muito apoio popular. Houve um verdadeiro movimento de boicote ao filme, ao mesmo tempo que outro movimento apoiava o documentário, julgando-o necessário para que não só os espanhóis, mas o mundo inteiro se enterasse do que de fato acontece dentro do País Basco.
Tudo isso resultou num inferno astral para Julio Medem, que entrou em depressão e quase desiste do cinema. Mas acabou voltando com um projeto audacioso e, segundo ele mesmo, bem diferente de tudo o que já havia feito. Trata-se de "Caótica Ana", que acaba de ser lançado nos cinemas espanhóis e já divide opiniões. Conta a história de Ana, uma pintora (personagem baseado na falecida irmã do diretor) que faz uma estranha viagem ao seu inconsciente. O longa ainda não tem previsão de estréia no Brasil.

Julio Medem, durante toda sua filmografia, trabalhou quase sempre com os mesmo atores e equipe técnica, outra característica forte de sua autoria no cinema. Atores como Emma Suaréz, Carmelo Gómez, Txema Blasco, Nancho Novo e Karra Elejalde são alguns dos que trabalharam com ele em pelo menos três filmes seguidos. Também atores como Javiér Cámara, Paz Vega e Najwa Nimri ficaram conhecidos somente depois de estar em um dos seus filmes, sendo logo "roubados" por cineastas como Alejandro Amenábar e Pedro Almodóvar. Também o músico Alberto Iglesias (hoje conhecido pelas trilhas sonoras dos filmes de Almodóvar e pela de "O Jardineiro Fiel", de Fernando Meirelles) foi o responsável pela trilha sonora de todos os filmes de Julio Medem, com exceção de "Caótica Ana", o que representa ainda mais um detalhe da profunda mudança pela qual passa o diretor.
Mas de qualquer forma, com profundas transormações ou não, o fato é que Julio Medem é uma figura essencial na cinematografia espanhola, não só pelo seu sucesso e projeção internacional, mas por representar uma outra linha, outra estilo de se fazer cinema dentro de uma filmografia nacional muitas vezes repetitiva. Medem conseguiu imprimir suas peculiaridades em filme muito particulares e que, ainda por cima, caíram na graça do público, e o cinema espanhol já não pode ignorá-lo.